Fiquei comovido quando li que foram encontradas bonecas em túmulos de crianças no Egito, na Grécia e em Roma. Pude imaginar o que os pais deveriam estar sentindo ao colocar aquele brinquedo junto ao corpo da filha morta. Eles o faziam para que ela não partisse sozinha, para que ela não tivesse medo.
De fato, uma criança abraçada a uma boneca é
uma criança sem medo, uma criança feliz. Os meninos, proibidos de ter bonecas,
se abraçam aos seus ursinhos de pelúcia. E nós, adultos, proibidos de ter
bonecas e de ter ursinhos de pelúcia, nos abraçamos ao travesseiro... Os
objetos são diferentes, mas o seu sentido é o mesmo: o desejo de aconchego e de
ternura.
Por isso eu acho que o senhor e a senhora
fizeram muito bem ao dar uma boneca de presente para a sua filhinha.
Com uma exceção, é claro: se a boneca não foi
a Barbie.
Porque a Barbie não é uma boneca. Falta a ela
o poder que têm as outras bonecas, bebezinhos, de afugentar o medo e provocar
sentimento maternais de ternura. Não posso imaginar uma menina dormindo
abraçada à sua Barbie. Nenhum pai colocaria a Barbie no túmulo da filha morta.
A Barbie não é boneca. É uma bruxa.
Posso bem imaginar o espanto nos seus olhos.
Eu imagino também os seus pensamentos: O Rubem
perdeu o juízo. A Barbie é uma boneca de plástico, não mexe, não pensa, não
fala. E agora ele diz que ela é uma bruxa...
Que as bonecas, ao contrário das aparências,
têm uma vida própria, eu aprendi no 2° ano primário. Minha professora me deu um
livro sobre bonecas e bonecos: enquanto a gente estava acordado, elas ficavam
deitadinhas, olhinhos fechados, fingindo que dormiam. Mas bastava que os vivos
dormissem para que elas acordassem e se pusessem a falar coisas.
As bonecas foram os primeiros brinquedos
inventados pelos homens.
E foram também os primeiros instrumentos de
magia negra. Um alfinete, aplicado no lugar certo de uma boneca – assim afirmam
os entendidos – tem o poder de matar a pessoa que se parece com ela.
Pois eu digo que a Barbie é uma bruxa.
Bruxa enfeitiça.
Enfeitiçada, a pessoa deixa de ter pensamentos
próprios. Só pensa o que a bruxa manda. A pessoa enfeitiçada fica possuída
pelos pensamentos da feiticeira e só pensa e faz aquilo que ela manda.
Se falo é porque vi, com esses olhos que a
terra há de comer.
Basta que as crianças comecem a brincar com a
Barbie, para que fiquem diferentes.
O pai manda, a mãe manda, a criança faz birra
e não obedece. Não é assim com a Barbie. Basta que a Barbie mande para que elas
obedeçam.
De novo você vai me contestar, dizendo que a
Barbie não fala e não tem vontade. Por isso não pode nem dar ordens e nem ser
obedecida.
Errado.
O fantástico é que ela, sem falar e sem ter
vontade, tenha mais poder sobre a alma da criança que os pais.
Quem me revelou isso foi o futurólogo Alvin
Toffler, no seu livro O Choque do Futuro, que li em 1971. O capítulo "A
Sociedade do Joga-Fora" começa com a Barbie. Nascida em 1959, em 1970 mais
de 12 milhões já tinham sido vendidas. Um negócio da China. E por quê? Porque a
Barbie, diferente das bonecas antigas, bebês que se contentam com uma chupeta e
um chocalho, tem uma voracidade insaciável.
A Barbie é uma boneca que nunca está contente:
ela sempre pede mais. E essa é a grande lição que ela ensina às crianças:
Compra, por favor!
Para se comprar há as roupas da Barbie, a
banheira da Barbie, o secador de cabelo, o jogo de beleza, o guarda-roupa, a
cama, a cozinha, o jogo de sala de estar, o carro, o jipe, a piscina, o chalé
de praia, o cavalo e os maridos, que podem ser escolhidos e alternados entre o
loiro e o Moreno etc. Etc.
A Barbie está sempre incompleta. Portanto, com
ela vem sempre uma pitada de infelicidade.
Aliás, essa é a regra fundamental da sociedade
consumiste: é preciso que as pessoas se sintam infelizes com o que têm, para
que trabalhem e comprem o que não têm.
A Barbie tem esse poder: quem a tem está
sempre infeliz porque há sempre algo que não se tem, ainda.
E os engenheiros dá inveja, a serviço das fábricas, se encarregam
de estar sempre produzindo esse novo objeto que ainda não foi comprado. Mas é
inútil comprar. Porque logo um outro será produzido. É a cenoura na frente do
burro... Ela nunca será comida.
Quem dá uma Barbie para uma criança põe a
criança numa arapuca sem saída.
Porque, ao ter uma Barbie, ela ingressa no
Clube das Meninas que têm Barbie.
E as conversas, nesse clube, são assim: Eu
tenho o chalé de praia da Barbie. Você não tem. Ao que a outra retruca: – Não
tenho o chalé, mas tenho o marido loiro da Barbie, que você não tem.
1 - Essa é a primeira lição que a inofensiva
boneca de plástico ensina. Ensina a horrível fala do eu tenho, você não tem. A
maldição das comparações. A maldição da inveja.
Você deve conhecer alguns adultos que fazem
esse jogo.
Haverá coisa mais chata, mais burra, mais
mesquinha?
Ao dar uma Barbie de presente é preciso que
você saiba que a menina inevitavelmente aprenderá essa fala.
Isso feito, uma segunda fala entra
inevitavelmente em cena, impulsionada pelas ilusões da inveja.
2 - A menininha pensa: Estou infeliz porque
não tenho. Se eu tiver, serei feliz.
O jeito de se ter é comprar.
_ Papai...
– Que é, minha filha?
– Compra o chalé de praia da Barbie? Eu quero
tanto...
Filha na arapuca. Pai na arapuca.
Mas há uma saída.
E, para ela, procuro sócios.
Vamos começar a produzir o próximo e
definitivo complemento para a bruxa de plástico: urnas funerárias para a
Barbie.
Por vezes o feitiço só se quebra com o
assassinato da feiticeira – por bonitinha que ela seja...
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